maltine do bairro #25 - equilibrando pratos
oi! ainda tem alguém aí do outro lado?
tô com essa cartinha salva há algumas semanas no meu draft. sabe como é, às vezes a gente simplesmente não quer falar algumas coisas, mas elas imploram pra sair.
eu acho que a vida é um eterno equilibrar de pratos. sempre achei. talvez porque tenha crescido vendo minha mãe trabalhando pra caralho e fazendo de tudo pra cuidar de mim e da minha irmã enquanto corria atrás da casa própria. talvez por ter crescido em são paulo, essa cidade que nunca dorme, em que se você se distrair no metrô no horário de pico, a chance de ser pisoteado até a morte é mais real do que qualquer filme de terror possa te levar a crer. talvez porque comecei a carreira trabalhando em agência, que tem esse ritmo frenético de tudo-ao-mesmo-tempo-e-agora que, ou a gente acompanha, ou vaza.
esses dias vi um vídeo da Lu Ferreira respondendo algumas leitoras sobre como conciliar carreira com filhos e relacionamento com a sincera frase: “não tem jeito de dar conta de tudo”. kkkkk (o riso é de desespero)
eu amei, porque a gente tem, o tempo inteiro, pessoas mostrando o melhor de suas realidades e fazendo parecer que é só a nossa vida que está sobrecarregada, que encara uma bagunça, que não tem jeito, que precisa de socorro. não é bem assim.
(fora que ela também usa a metáfora dos pratos. sério, assiste aí. tá legal.)
desde que se começou a falar mais sobre a importância da saúde mental e autocuidado, tenho visto muita gente repetindo que é necessário e possível dizer que não damos conta. “tá tudo bem não dar conta”, eles repetem à exaustão nas mensagens motivacionais do Instagram.
eu mesma já repeti algumas vezes, e já tentei explicar e entender por que é tão importante.
mas a vida adulta exige muito de nós em muitos aspectos em que a gente não pode simplesmente dizer que não dá conta. a gente tem que se sujeitar, correr atrás, muitas vezes a gente tem que dar conta - e esse papo de “se não te faz feliz, largue agora” que acomete nossa geração fere até a mim, aqui do alto do meu privilégio. imagine quem não tem muitas escolhas. é preciso fazer as coisas funcionarem.
casa. relacionamentos. saúde física e mental. trabalho. as coisas precisam funcionar minimamente.
estou tentando, estou dando meu melhor e em alguns momentos acho até que está tudo bem - mas esses momentos são tão raros. e, quando penso que as coisas estão se encaminhando pra dar certo, de repente me vejo perdida. completamente, absolutamente perdida.
a sensação é, de novo: eu não dou conta. todos os aspectos da minha vida estão desequilibrados.
é muito solitário me sentir assim. solitário porque entendo que todo mundo tem suas lutas, e tá todo mundo todos os dias correndo atrás pra sobreviver, pra passar pelo que tem que passar, pra conseguir às vezes o mínimo - portanto é errado da minha parte, com tantos privilégios, reclamar. eu tenho rede de apoio, uma incrível rede de apoio, sabe?
mas ainda assim é difícil conseguir sair de lá do fundo.
não tenho me sentido bem, não tenho me sentido à vontade pra falar nem na terapia, nem entre os meus amigos e assim que externalizo qualquer coisa eu imediatamente me culpo por estar falando aquilo, por estar ocupando espaço dos outros com os meus pensamentos, só queria me afundar num buraco e sumir, isso já tem um tempo. os podcasts continuam saindo eu tenho me desafiado a tocar nessa ferida o máximo que consigo, porque guardar também não resolve. síndrome do impostor, comparações e vulnerabilidade foram pautas que trabalhei com os olhos vendados e o coração na manga.
e por isso até que não tenho escrito mais essas minhas cartinhas. porque não é fácil. não é fácil deixar pra lá, não é fácil pensar que, ou é só ficar calada e vai passar, ou é só eu insistir que vai dar certo.
na verdade não tenho mais a menor ideia de se é possível dar certo.
e se não é possível dar certo, como foi que cheguei aqui? como foi que cheguei nesse ponto? tudo parecia tão tão simples. de repente a simplicidade acabou. de repente passei a me enxergar com os olhos mais cruéis que já tive.
e não sei se não dou conta ou se é esse olhar pesado tentando me convencer a desistir, mas não importa. a simples existência da hesitação me coloca de novo no pior dos lugares: o de solidão, de carência, de medo e de desalento.
glórias aos céus pelo Thiago e pela Barbara que gravaram “Aquele sobre Força de Vontade”. não fosse esse episódio do Estamos bem me lembrar do que acredito, talvez eu estivesse ainda pior.
enfim. eu sempre soube que é natural não dar conta.
mas ao mesmo tempo sempre foi muito difícil aceitar que não era possível. a minha mãe deu, dá todos os dias. e a vida dela é muito mais difícil que a minha, veja bem. na minha idade, ela já tinha duas filhas ramelentas pra cuidar.
não me parecia o fim do mundo.
agora parece.
esse mês, por exemplo, afundada em trabalho, eu falhei mais uma vez no equilíbrio e deixei um amigo que veio até sp na mão. tinha combinado de encontrá-lo, mas as demandas eram urgentes e eu precisei escolher. fiquei feliz? não. nem sempre a gente vai dar conta. nem sempre as pessoas vão perdoar. fica a dúvida aí de como trabalhar o sentimento de culpa terrível que bate por não nos sentirmos bons o suficiente para quem amamos.
é isso: a ausência de afeto é avassaladora, especialmente nesses dias de sobrecarga. e quando percebo que não consigo me dividir entre o afeto e o restante, fica muito mais pesado.
qual a medida certa?
E todo dia eu nasço, eu cresço, eu adoeço, eu morro um pouco mais, pra me trazer pra vida.
(cantando alto e chorando)
(cuidem da sua saúde mental. sério. eu, que tanto falo disso, negligenciei a minha nos últimos meses e estou pagando um preço alto: esse eterno questionamento da própria capacidade, essa insegurança, as paranóias, a solidão. eu sei que tudo isso é só o famoso desequilíbrio químico do cérebro falando, mas puta que pariu. quando que isso acaba?)