Maltine do Bairro #26 ~ essa newsletter só podia mesmo ser canceriana
hoje faz exatamente um ano que disparei a primeira cartinha.
mas isso é só uma coincidência louca: comecei a madrugada escrevendo essa pra esvaziar a mente atolada de trabalho, dai me passou pela cabeça a ideia de que tinha começado em julho do ano passado e fui confirmar no registro. pois bem, eis que estava lá: 11.07.2018.
um ano.
outra Ariane igual, mas completamente diferente.
acho que uma das coisas mais difíceis da vida é entender que a gente muda. falo isso porque mudei muito e não tinha percebido. é orgânico, né? o único eu que a gente conhece de verdade é o do presente. o antigo se apresenta pra nós editado, como qualquer memória, funcionando da maneira mais conveniente. o futuro a gente só pode imaginar como será.
mas uma coisa é certa: vai mudar. a gente muda o tempo todo.
às vezes, aquilo que antes era um sonho, que nos fazia completamente felizes, de repente já não tem o mesmo peso e valor. às vezes se torna algo que nos faz mal. e é normal, só mais uma dessas constantes da vida.
conseguir dialogar consigo mesmo pra entender que o tempo passa, que a gente se transforma e que não deve haver culpa quando fazemos escolhas, é parte de um processo tão, mas tão doloroso!
que dor é entrar de cabeça em algo que você antes costumava amar só pra descobrir que é uma experiência que hoje te faz mal. que dor é desejar algo por tanto tempo e, ao conseguir, perceber que foi só uma ferramenta para sua infelicidade.
e como não me sentir ingrata por estar infeliz numa posição que eu quis tanto ocupar? como não me sentir mesquinha em qualquer aspecto desses, sabendo que existem pessoas vivendo muito bem em situações bem piores que as que enfrento todos os dias? como lidar com o paralisante medo de tomar decisões - e, depois, a excruciante agonia diante das consequências delas?
culpa, culpa, culpa. tudo é culpa.
o chicotinho chega estrala nas costas.
“via crucis autoimposta”, como diria a Pitty.
todo dia uma ferida e uma cicatriz novas pra lidar e repetir que nem toda mudança vem do fracasso até aprender. aprender que nem sempre fracassar é negativo. ciclos terminam. vai da compreensão de que eu mudei e a vida mudou e preciso entender que tá tudo bem não me sentir bem fazendo as mesmas coisas, porque já não sou a mesma pessoa. mas o que fazer, então?
fica a reflexão.
sinto que estou velha demais pra ainda me perguntar o que fazer da vida, mas eu mesma já escrevi uns seis livros dizendo às pessoas que nunca é tarde demais pra começar de novo, né? talvez precise me ouvir um pouco mais.
e com certeza preciso ser um pouco mais gentil comigo mesma.
e você? tem sido gentil com seu eu do presente? tem deixado o eu do passado partir?
o que acabou, acabou. o que está rolando não precisa continuar do mesmo jeito.
segura no volante. sai do banco do passageiro.
bora dirigir a própria vida.
nas últimas semanas eu vi Rocketman.
falo com tranquilidade: se ainda não viu, corre agora.
qualquer coisa que eu disser a respeito aqui está despida de objetividade, é óbvio. chorei do início ao fim do filme. uma incontinência emocional maluca: tinha hora que eu nem entendia por que as lágrimas escorriam pelo meu rosto, mas elas estavam lá, e jorravam, e tava tudo bem.
quando começou Your Song, lembro da minha irmã virando pra mim com aquela cara de “me ajuda rs”, a face molhada e uma risadinha sem graça de quem quer que você passe um lenço - o que fiz bem devagarinho, saboreando a cumplicidade de estarmos nos desfazendo juntas em lágrimas. fiquei louca pra ler a biografia e imergir de novo em tudo que senti pra compartilhar com ela depois.
minha irmã e eu somos, em muitos aspectos, extremamente diferentes. mas, graças aos céus e à genética, também temos muito em comum.
e uma dessas coisas que dividimos é a sensibilidade. é claro que coisas diferentes nos tocam, mas a maneira como reagimos ao que nos toca é muito parecida. também compartilhamos os mesmos transtornos (tanta coisa na genética familiar e a gente fez o bingo das doideiras). é por isso que ela é uma das pessoas que eu mais admiro nesse mundo.
é muito, muito difícil levantar da cama todos os dias. é muito difícil fazer certas coisas que pra tanta gente são automáticas. não só pra mim, mas pra ela também. e, ainda assim, ela segue fazendo. há anos. sozinha, em outra cidade. ela levanta, dirige o carro dela, cuida dos bichinhos, vai ao estágio, à faculdade, e tudo o que faz, faz bem. é muito mais do que eu consigo diariamente.
conhecer a história dela me traz força. me sinto tão mal quando não posso ajudá-la. quando estamos há semanas sem nos ver e a vida exige que troquemos apenas meias palavras pelo WhatsApp, as duas enfraquecidas e sem poder se apoiar. mas eu sei que ela está lá, ela sabe que estou aqui, e as coisas seguem. é bom demais ter isso com alguém.
enfim.
queria poder abraçá-la hoje, mas não posso. então vou dar o play na This Is Elton John e ficar lembrando do nosso fim de semana de coração partido por ele.
se você tem alguém assim na sua vida, abraça por mim. diz que ama. manda mensagem.
eu to fazendo isso também.
Rocketman me fez pensar de novo naquele recorrente assunto nessa newsletter, o tal do “não nasci pra ser amada”, “talvez nunca vá conhecer o amor” e enfim, toda aquela ladainha sobre não ter problema em ser sozinha, mas sofrer vez por outra com a solidão.
será que foi o frio que trouxe essa melancolia desagradável para os meus dias? não sei, só sei que é isso: eu sinto de novo como se não fosse digna de algo que a gente é criado pra acreditar que é universal.
por outro lado, respiro aliviada em saber que não tenho me diminuído pra caber no coração de ninguém, que não quero aceitar menos que o melhor e, sobretudo, que escolho aquilo que é verdadeiro - tanta gente se junta por carência e conveniência. sei lá. prefiro que a vida se encarregue. vou lidando e seguindo.
e como nem só de sofrência vive essa mulher (embora emo demais, como bem sabemos), Rocketman também me fez refletir muito sobre ser artista. sobre como, por mais doloroso e solitário que possa ser me entregar à arte, não existe algo que me faça mais realizada que isso.
tá, não foi só o filme que me fez chegar a essa conclusão. já faz mais de um ano que comecei a enxergar isso, lentamente. eu meio que me negava a ver, porque (lá vem o chicotinho de novo) sempre ouço uma voz dizendo que não sou boa o suficiente. que não vai dar certo, ou que não deveria. e existe o chicotinho da vida também, as contas pra pagar. mas é isso, a gente vai se adaptando. vai vivendo no pior dos mundos para poder desfrutar do melhor.
mas sem deixar pra depois.
não dá pra ficar deixando pra depois.
quero muito terminar meu livro. parece que ele está me rasgando aqui dentro, implorando para sair.
só que tenho trabalhado demais e não consigo. sei que não deveria ser uma desculpa, o trabalho. mas, desde que comecei, o ciclo de ansiedade/pânico voltou mais forte do que nunca e, pra ajudar, a rotina acelerada e sobrecarregada não me permite ser criativa. é como uma prisão.
as ideias para os meus projetos vem e eu não posso parar o trabalho pra anotar, quem dirá executar. e, sempre que tenho um intervalo, preciso descansar a mente que parece já estar em curto circuito. enfim, coisas que precisarei mudar em breve porque não estão saudáveis.
você já se sentiu assim? vivendo pra trabalhar, pagando pra existir?
em outra nota:
logo sai um episódio do exaustos sobre DIZER NÃO. não vou conseguir falar sobre aqui agora, lá eu fico mais confortável pra discorrer. mas fique ligadim.
e ouça o “sua alegria foi cancelada”, da Fresno.
não vou ficar descrevendo. as musicas vão acabar aparecendo aqui em algum momento.
me conta uma coisa boa que te aconteceu recentemente?
faz tempo que não conversamos. :)
(vou contar a minha pra iniciar a conversa: o Google me chamou pra fazer duas ilustrações para o mês do orgulho LGBTQIA+. o Google!! daqui a pouco faz um mês e eu ainda não superei isso.)
beijo,
ari.
@lovemaltine