maltine do bairro #28 ~ cartas pra não enviar
absolutamente ninguém sabe o que a gente está vivendo, mas quase todo mundo se sente no direito de ter a própria opinião.
é meio maluco: as pessoas olham para meia dúzia de fotos nas redes sociais, dois ou três stories e deduz-se toda uma história de vida por ali. e aí a gente ainda se sente mal e tem o ímpeto de se justificar, de se explicar, como se devesse desculpas, como se precisasse dizer a todos o que está acontecendo.
mas precisa?
e aliás: que porra está acontecendo? às vezes nem a gente sabe. mas os outros juram com convicção saber quando começou, quando terminou e até arriscam os porquês.
sou boba gastando dinheiro em terapia: devia recorrer aos incríveis e inescrutáveis serviços da internet.
nas últimas semanas quase não dormi. e, de repente, eu só quero dormir. deito na cama e é como se todo o peso do mundo me puxasse pra dentro dela e eu não fosse capaz de sair dali - às vezes os olhos pesam, às vezes durmo. às vezes tenho crises de ansiedade e deitar de bruços é a única coisa que ameniza a pressão sobre o meu peito. às vezes só quero ficar paradinha até desaparecer. lentamente. sem sentir mais nada, sem ouvir mais nada, sem sofrer mais nada.
não é a primeira vez. não vai ser a última.
quando me levanto, me esforço para parecer bem e saudável. talvez vendo aquilo me convença de que está tudo bem e tudo isso passe. faço por mim, não pelos outros. quero agir o mais naturalmente possível mesmo quando já nem sei mais o que é natural. porque não vejo a hora de tudo estar bem. eu quero que esteja.
mas não consigo ler mensagens. abrir e-mails. atender ao telefone. me comunicar é a coisa mais difícil do mundo e vou evitando qualquer tipo de interação porque sei que se responder, outra vem, e a conversa tem que seguir. então as coisas vão se acumulando e consigo sentir uma preocupação acenar lá no fundo, mas ela não não me faz nem cócegas. nada faz.
em épocas assim, poderia receber um convite de jantar do brad pitt e ainda seguiria me arrastando feito uma sombra pela casa, da cama ao banheiro, do banheiro à geladeira, da geladeira à cama. incapaz de estar presente. talvez sinta vontade de ir onde os outros estão, mas não tenho forças. talvez a culpa apareça, o ciúme também, mas está tudo tão embaçado atrás da apatia.
não quero falar com ninguém. é que as perguntas são sempre as mesmas: está tomando seus remédios direito? estou, não sou criança. vai ficar tudo bem. vamos animar! claro. como não tinha cogitado a possibilidade de me animar ainda? estou curada.
sei que nada disso é dito por mal e é sempre tentando ajudar, eu mesma já devo ter falado várias vezes a outras pessoas com problemas parecidos. mas é que simplesmente cansa essa sensação de ser um fardo, o que os outros não entendem.
cansa porque não quero ficar explicando e cansa porque dá pra ver nos olhos e nas ações o descontentamento ao acharem que “não quero tentar”, ou que “não estou me esforçando o suficiente”, quando de dentro de mim algo grita dizendo que estou dando toda a força que tenho e mais.
não to com pena de mim, tô cansada de mim. de ter que lutar pra ser eu mesma. é como se tivessem duas ou três pessoas aqui dentro coexistindo e eu nunca soubesse qual delas fosse acordar no comando.
talvez seja mesmo um ser humano ruim. talvez não tenha tanta força assim e nem saiba. então deixa me entenderem mal, me olharem torto, me julgarem errado. cansei.
talvez seja mais saudável deixar as amizades seguirem indo embora, ver os sonhos se desfazendo.
levanto, tomo o café, os comprimidos, os olhos inchados de quem chorou demais ou dormiu demais ou simplesmente lutou demais contra algo que machuca demais. faço uma enquete aleatoria cujo resultado às vezes me machuca, às vezes pouco me importa, porque no fim, descobriu-se que isso é legal para o engajamento e, olha só, no meio de tudo isso ainda é preciso me preocupar com engajamento. contratos. contas.
passo meus dias morrendo de medo de desmoronar, mas a verdade é que já desmoronei e caí. passo os dias preocupada em tentar mostrar que há uma pessoa boa aqui, aquela pessoa que por tanto tempo conseguiu ter o controle - mas ela quase nunca vem e não tenho mais energia para brigar sozinha.
ninguém é obrigado a me entender, a lidar, a perdoar. então às vezes estarei passando por problemas e pedindo socorro e as pessoas me verão como alguém egoísta. é doido. é dolorido. mas é só a vida. a gente lê os outros do jeito errado o tempo todo.
se antes compartilhar tornava o processo mais fácil, atualmente não ajuda em muita coisa. já ouvi de gente próxima que “hoje em dia as pessoas usam saúde mental de muleta”. se não posso confiar nem em quem supostamente me ama, em quem vou confiar?
e se a esperança é a última que morre, onde é que eu tava quando todo o resto morreu?
enquanto isso a vida segue.
-- I HATE YOU!
-- I AM YOU!
comecei a assistir a série CARA X CARA (originalmente Living With Yourself), da Netflix, imaginando que seria mais uma comédia qualquer. eu faço isso: dou play nas coisas pelo elenco, sem nem pesquisar a sinopse - e o pôster dessa em específico me oferecia Paul Rudd encarando Paul Rudd. acho que é uma ferramenta de persuasão boa o suficiente, Paul Rudd em dobro.
mas não demorou pra virar um soco no meu estômago. o personagem principal, Miles Elliott, parece um retrato da depressão. alguém que perdeu as esperanças a ponto de dar todo o dinheiro que tinha guardado em troca da promessa de acordar uma pessoa melhor, sem nem mesmo questionar o processo.
não quero dar spoilers. aqui o trailer oficial!
mas basicamente a série me levantou questões sobre a dor de ver, materializada em sua frente, sua melhor versão, ocupando seu espaço, fazendo o que você costumava fazer tão bem, prosperando numa relação que você amava mas que já havia deixado morrer, sendo olhado com mais carinho pela família, pelos amigos, pelos clientes. o maior pesadelo da minha vida é esse: saber que não consigo voltar a ser minha melhor versão e lembrar dela com tanta clareza. enfim, é o terror de alguém que quer mudar mas não vê perspectiva.
era pra ser apenas uma série engraçada (e é divertida sim, veja bem), mas na metade eu já estava dialogando com um trauma, com essa sensação terrível que me habita constantemente de que existem várias de mim aqui dentro e aquela que todos amam está sempre soterrada.
ao mesmo tempo, vamos olhar para o lado positivo, ela também mostra que mesmo a nossa versão mais perfeita sempre vai estar descontente em algum aspecto, competindo, se medindo com outras réguas, desejando melhorar. e que, se existem, ambas podem e devem se complementar. enfim. assistam. são 8 episódios curtinhos, de 30 minutos.
existencialismo é tudo, né mores?
vivo pra oferecer a vocês conteúdos incríveis para chorar no banho®.
é isto. não ia mandar, mas mandei.
(ah, pode responder sim! eu gosto muito. nem sempre respondo rápido, por razões obvias se você leu até aqui)