Vocês não sabem o prazer que é estar de volta…
Ando sofrendo de saudades do Google Reader - aquela era da internet em que se consumia conteúdo em texto pra caramba, compartilhava com notas e, no processo, conhecia gente incrível pra compartilhar também.
Eu sei que saudosismo não leva ninguém a nada e que todo mundo segue consumindo conteúdo online mais do que nunca, ainda que de novas formas, mas comigo as coisas mudaram muito de figura desde então. O blog, por exemplo, foi abandonado. O canal não engrenou (sério, vídeo? eu?). E, por mais que doa dizer (afinal, vivo disso), o que vem movendo as redes sociais tem me feito sentir desconfortável, pra dizer o mínimo.
Parece que é imperativo criar uma narrativa feliz, uma aura de sucesso e boa autoestima constante e alegria sem fim. Eu não sei criar essa narrativa, não tenho o menor interesse nela, então eu sumo. E aí eu volto. E sumo. E volto. E no meio tempo estou sempre passeando os olhos pela tela ciente de que aquilo que vejo não é real - conheço muitas daquelas pessoas, sei como elas se sentem, sei que não estão felizes, mas centenas de milhares de pessoas curtem, comentam, admiram e invejam a vida perfeita que elas compartilham. Uma vida que elas não tem.
O trabalho exige, a vida exige. Pra vender seu conteúdo, você precisa de presença online. Para isso, precisa manter o engajamento. Se você não faz assim, você não serve pra esse negócio. Quando foi que essa virada aconteceu? Sinceramente, perdi a noção. Mas o que sei é que quanto mais isso fica evidente pra mim, menos quero ter algo a ver com toda essa loucura.
E sigo, nem lá nem cá, tentando equilibrar, repetindo sempre que posso: não existe isso de ser 100% coisa alguma. O que nos torna humanos é exatamente viver dias bons e ruins, sentir coisas boas e ruins. E foda-se essa onda ridícula de fingir sempre que está tudo bem.
Essa newsletter que se inicia hoje estará inundada de sentimentos. Bons e ruins. Sem sobreaviso durante as oscilações.
É isso. Voltei. Metade de 2018 já foi e eu estou viva.
Dentre todas as dificuldades que esse ano tem apresentado (vamos combinar, são muitas, eu sei que não é só comigo!), uma das coisas que mais tem me tirado do sério é a sensação constante de que não me reconheço mais. Sério. Não importa o quanto olhe para tudo o que produzi, consumi, amei ou sonhei, simplesmente não consigo sentir nada além de um incômodo distante, talvez saudade de saber que tanta verdade habitava em mim e agora está tudo tão mecânico - e emperrado.
Mas a certeza de que tudo passa é infalível - e no processo tenho me distraído revisitando algumas coisas que marcaram a formação dos meus gostos e afinidades. Quem sabe não me reencontro no caminho?
Reassisti Californication no último mês, por exemplo. Morria de medo de ver de novo porque é uma série com um olhar claramente misógino, machista, problemático, enfim, de um mundo que apesar de não ser tão distante assim cronologicamente, já não é o mesmo que habitamos hoje (ainda bem!). Mas meu afeto e identificação não foram destruídos com o passar do tempo. Quanto amor, amigos. As almas já elevadas que me perdoem essa confissão.
Californication foi a primeira série que assisti, lá em 2010, quando jurava que nunca assistiria nenhuma outra. A casa dos meus pais sempre teve antena parabólica, o mundo não tinha sido abençoado pelo advento da Netflix e demais serviços de streaming e sempre fui preguiçosa demais pra procurar por entretenimento por vias ilícitas, mas o pessoal do trabalho compartilhava a saga de Hank na rede da empresa naquela época - foi assim que vi e amei True Blood também.
Ainda acho que Californication deveria ter terminado na sexta temporada, não me levem a mal. Inclusive, vou fingir eternamente que a sétima nunca aconteceu. Combinado? Combinado.
Só estou contando tudo isso pra dizer que revê-la deixou muito claro o quanto me permiti influenciar pelas desventuras de Moody & cia e como toda a literatura que consumi antes e durante esse período moldaram a forma como vivi meus vinte e poucos anos (e como escrevi enquanto passava por eles), para o bem e para o mal. É bom olhar para trás assim, divertido pra dizer o mínimo. E também me ajuda a julgar um pouco menos (é, eu me julgo com uma frequência assustadora). Eu gosto do elemento paixão que ela carrega nos personagens e nas histórias. É o que move cada um deles, é o que faz cada uma das coisas acontecerem (ou não) por lá. E eu amo gente que é movida pelas paixões.
Quero muito retomar as tirinhas e essa imersão em Californication me fez ver que as minhas Partidas* não foram tão gratuitas assim como eu pensava. Estou com um livro na cabeça desde o ano passado e parece que a cada segundo ele toma mais forma. Para que algo tome forma de verdade, eu preciso me libertar do meu próprio julgamento. Provavelmente vou falar mais disso (e dos livros e séries a que me referi no parágrafo anterior) por aqui nas próximas semanas.
Fiquem com esse clássico pra entrar no clima junto comigo.
*Partidas é o nome de uma série de tirinhas e crônicas que eu lancei online em 2014 sobre as pessoas que passam na nossa vida. Não vou deixar link aqui porque a maioria dos textos estava no blog, que eu matei, e a maioria das tirinhas eu quero refazer. Por que mencionei nessa newsletter? Só a deusa sabe.
Nem só de passado vive essa maluca.
É preciso assumir a ignorância. Como habito um planeta paralelo, até poucos meses eu não sabia quem de fato Alison Bechdel era. Só tinha ouvido falar (e muitas vezes, por sinal, nessa jornada de faculdade de Jornalismo/vida em agências de Publicidade), do Teste de Bechdel, mas nunca parado pra estudar sua origem.
O que é o Teste Bechdel? É um teste para avaliar se um filme faz bom uso de personagens femininas. A trama precisa cumprir três regras: ter duas personagens com nome; ao menos uma cena em que conversam entre si; e o papo não pode ser sobre homem. Parece algo trivial, mas muitos blockbusters não conseguem. Na maioria, a mulher só cumpre a função de “donzela em perigo” ou interesse amoroso do herói. O teste surgiu há 30 anos, numa tira da cartunista Alison Bechdel, para ironizar como Hollywood sub-representa as mulheres. Mas virou coisa séria – algumas produtoras já filtram roteiros por esse critério. FON
TE
Foi nessa última temporada de Os Simpsons (s29e02 - e sim, eu ainda acompanho Os Simpsons), que foi ao ar no ano passado, que descobri que Bechdel é uma mulher lésbica e quadrinista, e aí não demorei nem cinco minutos pra comprar todas as obras que encontrei na Amazon e devorar na velocidade da luz, obviamente. E depois reler devagarinho, processando com calma.
Fun Home, graphic novel super sensível que conta a história da autora e sua relação com seu pai, me agarrou pelas entranhas logo no começo e eu não consegui parar até terminar - e olha só, não é exatamente uma leitura leve, não. Vai ter drama sim. Inclusive, virou um musical maravilhoso da Broadway (o Walter, da Plateia Wanda*, me contou que conseguiu no Tumblr, via bootleg - eu não procurei!). Are You My Mother? é uma leitura um pouco mais complexa. Mas eu me apaixonei mesmo por The Essential Dykes To Watch Out For - uma coletânea de tirinhas que ela escreveu desde o início da carreira, lá nos anos 80, e que retrata sua iniciação e vivência no universo lésbico, procurando naturalizar o olhar para essa comunidade de forma bem humorada, mas também política, sagaz. Enfim, é a diversidade sendo compartilhada e só por isso já merece ser celebrada. Foi numa dessas tirinhas que rolou o debate que deu origem ao Teste de Bechdel.
Mas o que eu mais curti - e aí entra a parte bem pessoal mesmo - foi poder ver a evolução, a linguagem mudando, desde as histórias iniciais até as últimas, 25 anos depois. E as graphic novels. Enfim. É incrível e eu precisava disso. Às vezes (com mais frequência que o normal) me pego olhando pra trás e querendo "corrigir" coisas que fiz dando o melhor de mim em outro tempo (e que hoje sairiam bem melhores, mas que com certeza daqui alguns anos vou olhar e desejar corrigir também). Já parei de produzir várias vezes por acreditar que preciso deixar para "quando for boa o suficiente" - mas isso é só uma desculpa que a gente cria pra se colocar pra baixo, sabe? Ainda que fizesse o mínimo sentido... Só serei boa o suficiente produzindo, e produzindo, e produzindo (e ainda assim, quem garante? Quem determina?). Terminei com vontade de colocar a mão na massa e deixar de lado essa mania maluca de achar que nada nunca está bom. As coisas apenas mudam.
*Se você acompanha o Podcast Wanda, sabe que esse foi meu Meryl no episódio 196. Se não acompanha, fica a dica porque esse é o único podcast possível.
Ah, e a representatividade importa. Você vai cansar de me ouvir dizer isso.
Falando em mulher lésbica, arte e inspiração (e Podcast Wanda!), se você vive na internet como eu, provavelmente já foi impactado por esse conselho, mas não custa enfatizar: assista Nanette, o especial de stand-up da Hannah Gadsby, na Netflix. É um olhar precioso sobre privilégio, autodepreciação, comédia, autoconhecimento, orgulho. Tira a gente da zona de conforto. Queria ter me identificado menos, sentido menos certas dores, mas sinceramente: que bom que ela existe. É pra ver, rever e passar pra frente. Especialmente se você não faz parte das minorias.
Num momento como o que temos vivido, em que artistas usam a pauta LGBTQI+ para se promover ao mesmo tempo em que apoiam candidatos e partidos políticos abertamente contra nós, é imperativo mostrar as marcas que tantos carregam todos os dias apenas por existirem e serem diferentes. A gente precisa dar voz ao que realmente merece, sabe? Eu comecei sem graça, me peguei rindo e, quando percebi, estava abraçada no edredom, engolindo lágrimas que eu sei bem que não eram de tristeza.
Desculpa se nada disso fez muito sentido. Percebi só agora que nem me apresentei. Olha o tanto que já falei e nem um "olá" rolou? A gente se vê todo dia, poxa vida, nessas esquinas da internet. Pelo menos a maioria de nós. Mas, como nem todos que chegaram aqui tem ideia de quem sou eu, de onde vim, o que eu faço, essa pauta fica pra próxima semana (ou não). Tô ansiosa pra enviar esse email. Tão ansiosa que dá até medo de revisar e desistir no meio do caminho. É como se tudo fosse muito interessante, mas não interessasse a ninguém, faz sentido? Esse é um dos grandes motivos de eu ter parado de gravar vídeos.
Aliás, eu li uns quadrinhos que tô louca pra compartilhar aqui na próxima semana. E vi uma série incrível também.
Acho que fiquei tanto tempo sem blogar que voltei meio tagarela, haha. Minha cabeça tá a mil.
Vou gostar de receber respostas, tá? Me ajuda a saber que caminho seguir. Não quero ser só mais um spam na sua caixa de entrada. Vamos ser amigos. Vamos ressuscitar aquela comunidade gostosa que o Google Reader matou.
Enquanto eu não volto por aqui, sempre podemos nos falar pelo Twitter e pelo Instagram.
Beijo <3